A excelência como modelo opressor
violência e convivência escolar
DOI:
https://doi.org/10.24220/2318-0870v30a2025e14434Palavras-chave:
Agrupamento de escolas, Direitos humanos, Políticas neoliberais, Território vulnerávelResumo
Embora a questão da “violência escolar” se revista de grande complexidade, ela tende a ser abordada de forma restrita, usualmente centrada na violência interpessoal, entre alunos ou alunos e professores. Este artigo não tem a pretensão de examinar as suas múltiplas formas, mas contribuir para a discussão a respeito dela enquanto fenômeno social. Argumenta-se que a violência neoliberal constitui hoje uma das mais intensas formas de opressão, especialmente por se manifestar de forma oculta, dissimulada e até legitimada. Além de uma discussão teórico-conceitual em torno do fenômeno e da sua relação com o modelo opressor de excelência acadêmica, analisa-se o caso de um agrupamento de escolas português que inclui nos seus princípios e práticas a não violência e a promoção da convivência no ambiente escolar. Sendo o autor um consultor desse grupamento, adotou-se a “amizade crítica” como método de pesquisa, numa tentativa de lidar com a familiaridade através da vigilância crítica e reflexiva. As escolas que fazem parte do agrupamento inserem-se num território social e economicamente vulnerável, do qual faz parte o chamado “bairro social”, habitado em grande parte por ciganos e imigrantes. Ainda que não consiga manter-se à margem de políticas neoliberais hostis à sua proposta político-pedagógica baseada em direitos humanos, o compromisso do agrupamento escolar com as crianças, os adolescentes, as famílias e as comunidades abrangidos por ele faz com que esteja menos orientado para a excelência e mais para a experiência e o afeto, ocupando, assim, um lugar inclusivo no seu território.
Downloads
Referências
Agrupamento de Escolas Dr. Francisco Sanches. Projeto Educativo do Agrupamento - 2018/2022. Braga: AEFS, 2019.
Agrupamento de Escolas Dr. Francisco Sanches. Projeto Educativo do Agrupamento - 2023/2027. Braga: AEFS, 2023.
Alexander, R. Moral Panic, Miracle Cures and Educational Policy: what can we really learn from international comparison?. Scottish Educational Review, v. 44, n. 1, p. 4-21, 2012.
Althusser. L. A. Idéologie et Appareils Idéologiques d’État. La Pensée, n. 151, p. 3-38, 1970.
Aubert, N.; Gaulejac, V. Le Coût de l’Excellence. Paris: Seuil, 1991.
Ball, S. J. The teacher’s soul and the terrors of performativity. Journal of Education Policy, v. 18, n. 2, p. 215-228, 2003. Doi: https://doi.org/10.1080/0268093022000043065.
Ball, S. J. New class inequalities in education: why education policy may be looking in the wrong place! Education policy, civil society and social class, International Journal of Sociology and Social Policy, v. 30, n. 3/4, p. 155-166, 2010. Doi: https://doi.org/10.1108/01443331011033346.
Baskerville, D.; Goldblatt, H. Learning to be a critical friend: from professional indifference through challenge to unguarded conversations. Cambridge Journal of Education, v. 39, n. 2, p. 205-221, 2009. Doi: https://doi.org/10.1080/03057640902902260.
Baudelot, C.; Establet, R. L’école capitaliste en France. Paris. François Maspero, 1971.
Boudon, R. L’inégalité des chances. Paris: Armand Colin, 1973.
Bourdieu, P.; Passeron, J.-C. La reproduction. Paris. Minuit, 1970.
Bourdieu, P.; Passeron, J.-C. Les héritiers. Les étudiants et la culture. Paris: Minuit, 1971.
Bowles, S.; Gintis, H. Schooling in capitalist America. London: Routledge & Kegan Paul, 1976.
Butler, H. et al. The critical friend: facilitating change and wellbeing in school communities. Camberwell: ACER Press, 2011.
Canário, R. Inovação e projecto educativo de escola. Lisboa: Educa, 1992
Canário, R. Inovação educativa e práticas profissionais reflexivas. In: Canário, R.; Santos, I. (org.). Educação, Inovação e Local. Setúbal: ICE, 2002. p. 13-23.
Charlot, B. A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa questão. Sociologias, v. 4, n. 8, p. 432-443, 2002. Doi: https://doi.org/10.1590/S1517-45222002000200016.
Coombs, P. H. La crise mondiale de l’éducation: analyse de systèmes. Paris: PUF, 1968.
Crozier, M. Le phénomène bureaucratique. Paris: Seuil, 1971.
Dubet, F. Le déclin de l’institution. Seuil: Paris, 2002.
Dubet, F.; Martuccelli, D. À l’école. Sociologie de l’expérience ecolaire. Paris: Seuil, 1996.
Ellul, J. Déviances et déviants dans notre société intolérante. Toulouse: Érès, 2013.
Fernandes, J. L.; Carvalho, M. C. Problemas no estudo etnográfico de objectos fluídos: os casos do sentimento de insegurança e da exclusão social. Educação, Sociedade e Culturas, n. 14, p. 59-87, 2000. Doi: https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/6881.
Fernandes, L. A exclusão social como revelador das relações entre violência estrutural e violência quotidiana. Quaderns de l’Institut Català d’Antropologia, v. 19, n. 1, p. 175-186, 2014.
Fischer, F., Mandell, A. Educational policy as technocratic strategy: the politics of excellence. In: Farnen, R. F.; Sünker, H. (ed.). The politics, sociology and economics of education. London: Palgrave Macmillan, 1997. p. 169-182.
Foulger, T. S. External conversations: an unexpected discovery about the critical friend in action research inquiries. Action Research, v. 8, n. 2, p. 135-152, 2010. Doi: https://doi.org/10.1177/1476750309351354.
Galtung, J. Cultural violence. Journal of Peace Research, v. 27, n. 3, p. 291-305, 1990.
Galtung, J. Violence, peace and peace research. Journal of Peace Research, v. 6, n. 3, p. 167-191, 1969.
Gaulejac, V. La névrose de classe. Trajectoire cociale et conflits d’identités. Paris: Hommes et Groupes Editeurs, 1987.
Gillies, D. Excellence and education: rhetoric and reality. Education, Knowledge and Economy, v. 1, n. 1, p. 19-35, 2007. Doi: https://doi.org/10.1080/17496890601128209.
Guilbaud, D. L’illusion méritocratique. Paris: Odile Jacob, 2018.
Henry, S. What is school violence: an integrated definition. Annals of the American Academy of Political and Social Science, n. 567, p. 16-29, 2000.
Lloyd, C. Excellence for all children false promises! The failure of current policy for inclusive education and implications for schooling in the 21st century. International Journal of Inclusive Education, v. 4, n. 2, p. 133-151, 2000. Doi: https://doi.org/10.1080/136031100284858.
Michaud, Y. La violence. Paris: Presses Universitaires, 1996.
Mijs, J. J. B. Merit and ressentiment: how to tackle the tyranny of merit. Theory and Research in Education, v. 20, n. 2, p. 173-181, 2022. Doi: https://doi.org/10.1177/14778785221106837.
Nicolas-Le Strat, P. L’Implication. Une Nouvelle base de l’Intervention Social. Paris: L’Harmattan, 1996.
Parekh, G. The tyranny of “ability”. Curriculum Inquiry, v. 47, n. 4, p. 337-343, 2017. Doi: https://doi.org/10.1080/03626784.2017.1383755.
Portugal. Estratégia Nacional de Educação para Cidadania. Lisboa, Ministério a Educação, 2017.
Portugal. Despacho n.º 7798/2023, de 28 de julho de 2023. Diário da República, n.º 146/2023, Série II de 2023-07-28, 2023.
Price, D. H. Outcome-based tyranny: teaching compliance while testing like a state. Anthropological Quarterly, v. 76, n. 4, p. 715-730, 2003.
Rede de Escolas de Educação Intercultural. Termos de referência. Lisboa: REEI, 2017. https://www.dge.mec.pt/rede-de-escolas-para-educacao-intercultural
Sandel M. J. The tyranny of merit: what’s become of the common good? New York: Farrar, Straus and Giroux, 2020.
Schuck, S.; Russell, T. Self-study, critical friendship, and the complexities of teacher education. Studying Teacher Education, v. 1, n. 2, p. 107-121, 2005. Doi: https://doi.org/10.1080/17425960500288291.
Seabra, T.; Cândido, A. F.; Tavares, I. Atlas dos alunos com origem imigrante: quem são e onde estão nos ensinos básico e secundário em Portugal. Lisboa: Observatório das Desigualdades, 2023.
Smith, K.; Tesar, M.; Myers, C. Y. Edu-capitalism and the governing of early childhood education and care in Australia, New Zealand and the United States. Global Studies of Childhood, v. 6, n. 1, p. 123-135, 2016. Doi: https://doi.org/10.1177/2043610615625165.
Stiegler, B. Il faut s’adapter. Sur un nouvel imperatif politique. Paris. Gallimard, 2019.
Thin, D. Quartiers Populaires: L’école et les familles. Lyon: Presses Universitaires, 1998.
Young, M. Knowledge and Control: new directions for the Sociology of Education. British Journal of Educational Studies, v. 20, n. 2, p. 247-247, 1972. Doi: https://doi.org/10.2307/3120251.