Dossiê: Direito internacional, dependência e (des)colonização

2022-05-20

"Sim, valeria a pena estudar clinicamente, no pormenor, os itinerários de Hitler e do hitlerismo e revelar ao burguês muito distinto, muito humanista, muito cristão do século XX que traz em si um Hitler que se ignora, que Hitler vive nele, que Hitler é o seu demônio, que se o vitupera é por falta de lógica, que, no fundo, o que não perdoa a Hitler não é o crime em si, o crime contra o homem, não é a humilhação do homem em si, é o crime contra o homem branco, a humilhação do homem branco e o ter aplicado à Europa processos colonialistas a que até aqui só os árabes da Argélia, os “coolies” da Índia e os negros de África estavam subordinados.
E
aí está a grande censura que dirijo ao pseudo-humanismo: o ter, por tempo excessivo, apoucado os direitos do homem, o ter tido e ainda ter deles uma concepção estreita e parcelar, parcial e facciosa e, bem feitas as contas, sordidamente racista" (Aimé Césaire, Discurso sobre o colonialismo).

 

A discurso normativo genérico do Direito internacional, repleto de lugares comuns progressistas e “emancipadores” – humanidade comum, paz, desenvolvimento sustentável, cooperação internacional, direitos humanos e liberdades fundamentais – convive com a realidade global da fronteira fechada ao imigrante pobre; das crises de refugiados; do noticiário (e redes sociais) sensível apenas aos conflitos que vitimam gente de pele clara; da violência, dominação e exploração de povos e Estados independentes só mesmo no plano jurídico.

O prenúncio da igualdade soberana dos Estados, é bem verdade, perdeu-se, de saída, explicitamente, na própria Carta da Organização das Nações Unidas, com o poder de veto dos Estados vencedores da Segunda Guerra, mais iguais do que os outros.

Sob o discurso moderno liberal – e, nele, a retórica da afirmação de direitos humanos, livre comércio, e democracia representativa –, a configuração colonial/imperialista capitalista das relações internacionais.

Delimita-se um lugar específico e horizonte de possibilidades precário à imensa maioria da população mundial. No caso da América Latina, depois de três séculos de colonização pelos europeus, experimenta a “independência” como “Estado nação” – invenção da modernidade europeia! –, sem descolonização, subordinando-se, já na sequência, ao imperialismo estadunidense. Integração, desde a práxis violenta da conquista, a história mundial é forjada na dependência econômica e colonização dos modos de ser, pensar e conviver.

De todo modo, esse lugar periférico, em que as opressões de classe, raça e gênero se entrecruzam profunda e violentamente – diz-se, também, Terceiro-Mundo e Sul Global –, sem alquebrar de todo, abre horizontes críticas, teoria e práxis, (des)construção e mudança, por vezes reformistas, passo a passo, nos estritos limites do horizonte jurídico-institucional; noutras, para além dele, buscando atacá-lo suas estruturas, transformando-o.

Sob as mais diversas perspectivas, os pensamentos anticoloniais, pós-coloniais, descoloniais, com ou sem “s”, as teorias da dependência, as abordagens “terceiro-mundistas”, nas suas profundas diferenças, guardam traço comum de origem. E possibilitam aproximações com o Direito, especificamente, o Direito internacional, na formulação de antíteses, mais ou menos radicais, revisitando teorias, autoras(es), doutrinas, revisando categorias e instituições.

É nesse contexto, em vista de referidas aproximações e revisitações do direito internacional, a partir de perspectivas críticas provenientes da América Latina, África, Ásia e outros povos “condenados da terra”, que procedemos à chamada de artigos para o Dossiê “Direito internacional, dependência e (des)colonização”.

Os trabalhos podem incidir sobre os diferentes setores e instituições do direito internacional – Direito humanos, organizações internacionais, desenvolvimento, comércio internacional, imigração e refúgio etc. – assim como distintos lugares que compõem a periferia global. Espera-se, ainda, que, de modo interdisciplinar, superem análises meramente dogmáticas e “manualescas”. Isso, à luz de autoras(es), teorias e perspectivas críticas “periféricas”, que, nessa linha, (se) questionem a suficiência dos olhares europeu e estadunidense aos nossos próprios problemas.

Para envio e verificar as condições de submissão: https://seer.sis.puc-campinas.edu.br/direitoshumanos/about/submissions

Prazo para entrega das contribuições: 30 de julho de 2022.