A cidade fragmentada e os fragmentos do eu: a literatura de si em O cemitério dos vivos, de Lima Barreto
DOI:
https://doi.org/10.24220/2595-9557v2n2a4688Keywords:
Heterotopia. Lima Barreto. Literatura de si. O Cemitério dos vivos.Abstract
No início do século XX, o Rio de Janeiro passou por transformações radicais graças a uma
modernização artificial, que impediu a livre circulação no centro e conduziu indivíduos à
margem. O afastamento social, de todo modo, também se constrói a partir da criação
de espaços outros, que serão denominados heterotópicos, para enquadrar justamente
aqueles que não podem ser encaixados nessa lógica pensada para a cidade. Em 1919,
Lima Barreto foi internado no Hospital Nacional dos Alienados e começou a registrar
sua experiência em notas que compuseram O Diário do Hospício de 1953, material de
base para a escrita de um romance. A ameaça constante de enlouquecimento a que
foi submetido o autor, quando encerrado nas dependências do hospício, reforçou ainda
mais o desejo de afirmar sua lucidez por meio da escrita. O registro de si nesse ambiente
funciona, assim, como a criação de uma ocupação necessária para sentir-se pertencente
ao mundo, produzindo, através da feitura de um romance, uma paisagem literária em
que questões subjetivas de sua miséria individual são transformadas numa questão
coletiva. O Cemitério dos Vivos de 1956 surge, assim, como texto híbrido e fragmentário,
em que o universo manicomial e seu funcionamento servem como reflexão sobre seu
processo de marginalização, correspondente ao processo de marginalização de tantos
outros. Propõe-se, a partir das questões levantadas, uma compreensão desse romance
inacabado e publicado postumamente, a partir de uma leitura que contrasta o sentimento
de exclusão e deslocamento, superados por uma forma de pertencimento encontrada
através da Literatura.
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